Poeticamente Vivos
Para Valter Hugo Mãe
Nem precisaremos mais falar da Morte:
ela está sempre à espreita,
sempre alerta,
como um lobo feroz,
com seus dentes afiados,
sua cabeleira medonha,
seu bafo pútrido.
Nem falaremos de seus filhos,
todos hediondos, tal qual a mãe:
o ódio, a crueldade,
os extermínios,
os assassinatos,
a intolerância nossa de cada dia.
Nem veremos mais a seus espetáculos midiáticos,
suas tolices, suas piadas sujas,
sua raiva revestida de “bons modos”,
sua pele de cordeiro que abriga o lobo,
suas inconveniências,
sua pose de “boa moça.”
Nem comeremos a sua mesa:
seus manjares cobertos de discórdias,
adocicados com fel,
recheados da raiva deste mundo,
aromatizados com lascívia,
degenerados, frutos do mal.
Tão cansados, ultrajados e humilhados,
iremos mais adiante, mais profundo,
esqueceremos, ao menos, por um instante,
da Morte que nos assola, por tanto tempo,
olharemos além das aparências,
além do paraíso perdido.
Andaremos sobre pedras,
pelo caminho estreito,
talvez os pés sangrem,
a pele enrugue e seque,
os pensamentos desvaneçam
e desistir pareça ser a melhor opção.
Respiraremos,
como recém-natos,
ofegantes e quase sem forças,
voltaremos do fundo do poço,
vivos, amantes, amigos,
poetas, fraternos e ressurretos.
Insistiremos na Vida:
acordaremos,
depois da noite mais escura e longa,
faremos amor,
geraremos filhos e filhas,
seremos pais e mães,
trabalharemos com as mãos,
entoaremos velhas canções,
dançaremos sobre nosso desprezo,
escreveremos poesias,
beijaremos nossas feridas,
faremos as pazes com nosso coração partido,
divinos e humanos que somos, sobreviventes,
Viveremos !
noemi n. ansay
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